A HISTÓRIA DO CÃO VIRA-LATAS DE UM CASAL DE MORADORES DE RUA QUE TEM TRATAMENTO VIP NUMA PRACINHA DA CIDADE
"O Rei da Praça"
por Ocimara Balmant
foto: Maria do Carmo
Ninguém sabe exatamente quantos anos o vira-lata tem. Alguns dizem que dois; outros apostam que são mais, talvez quatro. O veterinário que o atende acredita que sejam três anos. Mas isso pouco importa para os donos e os amigos do cachorro mais conhecido de Mirandópolis, bairro próximo à Saúde, na zona sul.
O que a vizinhança sabe é que, há cem dias, completados na última semana, a praça do bairro não é mais a mesma. Ela tem um dono, e o nome dele é Lobão.
Todos os dias, antes de os primeiros moradores chegarem com seus cachorros de raça para a voltinha matinal, ele já está lá. Limpo, alimentado, desperto e muito bem acompanhado. Lobão foi adotado pelo casal Branca, 60, e Sílvio da Silva, 43, moradores de rua que transformaram a praça Maria Margarida Baldy de Araújo em casa desde o fim do ano passado, quando a crise financeira derrubou em quase 70% o preço do papelão que catavam pelas ruas da cidade.
Mudaram de ramo. Estacionaram a carroça na praça que estava há anos abandonada, suja de lixo e de cocô de cachorro, e começaram a faxina. Receosos com a procedência do casal, os vizinhos foram assistindo dos portões das casas e das sacadas dos apartamentos à transformação do lugar pelas mãos da dupla.
Grama aparada, novas árvores, chão e bancos limpos. Vez ou outra alguém passava por ali, elogiava o serviço e fazia alguma doação ao casal.
Até que numa segunda-feira, quando Branca preparava o almoço no fogão improvisado que funciona sobre dois tijolos, um vira-lata apareceu por ali, todo matreiro. "Eu estava concentrada no arroz quando o Sílvio me disse que tínhamos visita", lembra. A adoção foi imediata. "Só quem mora na rua podia entender. Ele parecia um tapete sujo, tive que dar quatro banhos seguidos, em uma bica de água que fica perto daqui", completa Sílvio.
Na hora, eles não imaginaram que a vida na praça nunca mais seria a mesma. "Eu sabia que as pessoas gostavam de cachorro, mas nem sonhava que até a gente ia ser mais querido por causa de um vira-lata", diz Branca, moradora de rua há 21 anos e que nunca tinha visto alguém, "nem cachorro nem gente", tão mimado assim.
Rapidinho, o vira-lata batizado Lobão, devido ao tamanho e aos pelos negros, conquistou a vizinhança. Ganhou um colchão, três roupinhas para enfrentar o frio, come só ração de qualidade, toma banho a cada 15 dias no pet shop, está com a carteira de vacinação em dia e, luxo puro, recebe a visita diária do veterinário que o atende de graça.
"A praça fica no meu caminho. Todos os dias passo por lá e acabo dando uma olhadinha nele", diz João Francisco Said Guilherme. "Fiz um acordo com a Branca e o Sílvio. Enquanto cuidarem da praça, eu cuido do cachorro."
O veterinário conta que a popularidade do cão é tão grande, que ele precisou intervir. "Cada um dava alguma coisa para ele comer e aí causava diarreia", relata. "Vira-lata é só o nome. Lobão é um cachorro requintado."
Quem o vê andando por aí, não duvida. Para garantir que o cão que faz a alegria dos moradores da região não se perca pela cidade, Lobão circula com uma medalhinha que leva gravado o telefone de uma moradora do quarteirão.
Branca e Sílvio agradecem o cuidado, a amizade dos vizinhos, as doações de alimentos e prometem ao veterinário que vão continuar cuidando da pracinha. Branca ainda quer conseguir cal para pintar as muretinhas e a sarjeta, além de uma muda de jabuticaba para fazer companhia ao pé de amora e à laranjeira que eles já plantaram.
E, se não for pedir muito, "bota aí, minha filha, que meu sonho é ter um quartinho para eu dormir. Assim, cuido da praça durante o dia e me aqueço durante a noite", planeja."Ah, daí também vou poder tomar banho sempre e ficar cheirosa como o Lobão."
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/revista/rf1907200912.htm
Revista da Folha de São Paulo
O que a vizinhança sabe é que, há cem dias, completados na última semana, a praça do bairro não é mais a mesma. Ela tem um dono, e o nome dele é Lobão.
Todos os dias, antes de os primeiros moradores chegarem com seus cachorros de raça para a voltinha matinal, ele já está lá. Limpo, alimentado, desperto e muito bem acompanhado. Lobão foi adotado pelo casal Branca, 60, e Sílvio da Silva, 43, moradores de rua que transformaram a praça Maria Margarida Baldy de Araújo em casa desde o fim do ano passado, quando a crise financeira derrubou em quase 70% o preço do papelão que catavam pelas ruas da cidade.
Mudaram de ramo. Estacionaram a carroça na praça que estava há anos abandonada, suja de lixo e de cocô de cachorro, e começaram a faxina. Receosos com a procedência do casal, os vizinhos foram assistindo dos portões das casas e das sacadas dos apartamentos à transformação do lugar pelas mãos da dupla.
Grama aparada, novas árvores, chão e bancos limpos. Vez ou outra alguém passava por ali, elogiava o serviço e fazia alguma doação ao casal.
Até que numa segunda-feira, quando Branca preparava o almoço no fogão improvisado que funciona sobre dois tijolos, um vira-lata apareceu por ali, todo matreiro. "Eu estava concentrada no arroz quando o Sílvio me disse que tínhamos visita", lembra. A adoção foi imediata. "Só quem mora na rua podia entender. Ele parecia um tapete sujo, tive que dar quatro banhos seguidos, em uma bica de água que fica perto daqui", completa Sílvio.
Na hora, eles não imaginaram que a vida na praça nunca mais seria a mesma. "Eu sabia que as pessoas gostavam de cachorro, mas nem sonhava que até a gente ia ser mais querido por causa de um vira-lata", diz Branca, moradora de rua há 21 anos e que nunca tinha visto alguém, "nem cachorro nem gente", tão mimado assim.
Rapidinho, o vira-lata batizado Lobão, devido ao tamanho e aos pelos negros, conquistou a vizinhança. Ganhou um colchão, três roupinhas para enfrentar o frio, come só ração de qualidade, toma banho a cada 15 dias no pet shop, está com a carteira de vacinação em dia e, luxo puro, recebe a visita diária do veterinário que o atende de graça.
"A praça fica no meu caminho. Todos os dias passo por lá e acabo dando uma olhadinha nele", diz João Francisco Said Guilherme. "Fiz um acordo com a Branca e o Sílvio. Enquanto cuidarem da praça, eu cuido do cachorro."
O veterinário conta que a popularidade do cão é tão grande, que ele precisou intervir. "Cada um dava alguma coisa para ele comer e aí causava diarreia", relata. "Vira-lata é só o nome. Lobão é um cachorro requintado."
Quem o vê andando por aí, não duvida. Para garantir que o cão que faz a alegria dos moradores da região não se perca pela cidade, Lobão circula com uma medalhinha que leva gravado o telefone de uma moradora do quarteirão.
Branca e Sílvio agradecem o cuidado, a amizade dos vizinhos, as doações de alimentos e prometem ao veterinário que vão continuar cuidando da pracinha. Branca ainda quer conseguir cal para pintar as muretinhas e a sarjeta, além de uma muda de jabuticaba para fazer companhia ao pé de amora e à laranjeira que eles já plantaram.
E, se não for pedir muito, "bota aí, minha filha, que meu sonho é ter um quartinho para eu dormir. Assim, cuido da praça durante o dia e me aqueço durante a noite", planeja."Ah, daí também vou poder tomar banho sempre e ficar cheirosa como o Lobão."
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/revista/rf1907200912.htm
Revista da Folha de São Paulo
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